Legislar a ortografia? II
Escreve Miguel Madeira, num comentário n' O Insurgente
Ao que respondi:
Caro Miguel Madeira
A crítica que faço ao facto de se legislar a ortografia também se aplica ao estado actual, claro. Fiquei sem perceber se você é a favor ou não de se regular a ortografia por lei. Mas quer se seja a favor ou contra isso, pode-se rejeitar esta reforma ortográfica por ser artificial e imposta sem consultar o povo. Por exemplo, é possível ser a favor da legislação ortográfica mas defender que ela se deve basear na norma que emerge do uso da língua. Pode-se ainda ser a favor da regulação ortográfica mas apenas se as reformas forem graduais. Não é a minha posição, como penso que ficou claro.
Mas se se é contra a legislação ortográfica então é-se necessariamente contra esta reforma. É que se a legislação ortográfica é um mal, uma reforma ortográfica artificial e centralista é ainda pior: de facto esta é uma consequência daquela (explico melhor em baixo).
Os políticos alteraram profundamente a ortografia em 1911 numa altura em que isso não afectava grande parte da população precisamente por ser analfabeta. Desde então, as reformas foram mínimas, o número de alfabetizados cresceu enormemente e essa grafia artificial (que está muito longe de ser perfeita; as regras de acentuação, por exemplo, parecem-me fracas) foi aprendida e usada por muita gente que a adoptou como sua. Agora, porque meia dúzia de iluminados pensa que a língua portuguesa vai ser o Quinto Império, querem mudar a ortografia à força, como em 1911. E olhe que há por aí muitos defensores do Acordo que o criticam por ser muito pouco ambicioso, que queriam uma escrita fonética (algo impossível, mesmo teoricamente, e se quiser explico-lhe porquê), que queriam alterar profundamente a grafia. Alterar a forma de escrever das pessoas por decreto é ilegítimo, inútil, violento, e potencialmente causador de desnormatização, precisamente o contrário do pretendido. Isto é uma consequência do facto de se regular a ortografia: impedem-se ou dificultam-se as mudanças naturais, progressivas, sedimentadas e desejadas pela comunidade falante e incentiva-se assim a mudanças administrativas periódicas que vão desagradar a muitos e prejudicar a sua vida. Diz-me que é apenas mudar uma lei por outra, como se isso fosse pouca coisa. Mudar uma lei que afecta toda a gente no seu dia-a-dia é algo em si mesmo indesejável. Era preferível que não houvesse lei nenhuma. Se é inútil, para quê, então?
A estabilidade gráfica é algo naturalmente desejado por comunidades numerosas de falantes, precisamente porque contribui para a boa comunicação, para a melhor aprendizagem das normas gráficas, para a continuidade do património literário e para a poupança de custos de adaptação quer dos textos quer das pessoas. Deixe-se a comunidade em liberdade e dessa liberdade resultará ou uma estabilidade, ou uma evolução; mas qualquer que seja o resultado, esse será o que melhor se adequa às necessidades dos falantes.
Como escrevi [aqui], este é o principal motivo por que me oponho ao Acordo, mas os meus motivos são muitos mais. Quando tiver mais tempo, expô-los-ei [cá].
Onde é que o Acordo prevê que as formas antigas continuam a ser aceites? Tanto quanto eu saiba, com o Acordo, "óptimo", por exemplo, passa a ser oficialmente errado (haverá coisa mais ridícula?), e apenas "ótimo" será aceite (ou aceito, como dizem os brasileiros…)
Mas a ortografia já está legislada - a única coisa que este acordo faz é trocar uma “lei” por outra (em certo sentido, como o acordo determina que as anteriores normas ortográficas continuam a ser aceitáveis, ele até “des-legisla” a ortografia).
Ao que respondi:
Caro Miguel Madeira
A crítica que faço ao facto de se legislar a ortografia também se aplica ao estado actual, claro. Fiquei sem perceber se você é a favor ou não de se regular a ortografia por lei. Mas quer se seja a favor ou contra isso, pode-se rejeitar esta reforma ortográfica por ser artificial e imposta sem consultar o povo. Por exemplo, é possível ser a favor da legislação ortográfica mas defender que ela se deve basear na norma que emerge do uso da língua. Pode-se ainda ser a favor da regulação ortográfica mas apenas se as reformas forem graduais. Não é a minha posição, como penso que ficou claro.
Mas se se é contra a legislação ortográfica então é-se necessariamente contra esta reforma. É que se a legislação ortográfica é um mal, uma reforma ortográfica artificial e centralista é ainda pior: de facto esta é uma consequência daquela (explico melhor em baixo).
Os políticos alteraram profundamente a ortografia em 1911 numa altura em que isso não afectava grande parte da população precisamente por ser analfabeta. Desde então, as reformas foram mínimas, o número de alfabetizados cresceu enormemente e essa grafia artificial (que está muito longe de ser perfeita; as regras de acentuação, por exemplo, parecem-me fracas) foi aprendida e usada por muita gente que a adoptou como sua. Agora, porque meia dúzia de iluminados pensa que a língua portuguesa vai ser o Quinto Império, querem mudar a ortografia à força, como em 1911. E olhe que há por aí muitos defensores do Acordo que o criticam por ser muito pouco ambicioso, que queriam uma escrita fonética (algo impossível, mesmo teoricamente, e se quiser explico-lhe porquê), que queriam alterar profundamente a grafia. Alterar a forma de escrever das pessoas por decreto é ilegítimo, inútil, violento, e potencialmente causador de desnormatização, precisamente o contrário do pretendido. Isto é uma consequência do facto de se regular a ortografia: impedem-se ou dificultam-se as mudanças naturais, progressivas, sedimentadas e desejadas pela comunidade falante e incentiva-se assim a mudanças administrativas periódicas que vão desagradar a muitos e prejudicar a sua vida. Diz-me que é apenas mudar uma lei por outra, como se isso fosse pouca coisa. Mudar uma lei que afecta toda a gente no seu dia-a-dia é algo em si mesmo indesejável. Era preferível que não houvesse lei nenhuma. Se é inútil, para quê, então?
A estabilidade gráfica é algo naturalmente desejado por comunidades numerosas de falantes, precisamente porque contribui para a boa comunicação, para a melhor aprendizagem das normas gráficas, para a continuidade do património literário e para a poupança de custos de adaptação quer dos textos quer das pessoas. Deixe-se a comunidade em liberdade e dessa liberdade resultará ou uma estabilidade, ou uma evolução; mas qualquer que seja o resultado, esse será o que melhor se adequa às necessidades dos falantes.
Como escrevi [aqui], este é o principal motivo por que me oponho ao Acordo, mas os meus motivos são muitos mais. Quando tiver mais tempo, expô-los-ei [cá].
«(…) o acordo determina que as anteriores normas ortográficas continuam a ser aceitáveis»
Onde é que o Acordo prevê que as formas antigas continuam a ser aceites? Tanto quanto eu saiba, com o Acordo, "óptimo", por exemplo, passa a ser oficialmente errado (haverá coisa mais ridícula?), e apenas "ótimo" será aceite (ou aceito, como dizem os brasileiros…)